Sobre a recente aprovação dos projetos autorizando os plebiscitos para criação dos novos estados de Carajás e Tapajós, o ex-deputado Jesualdo Cavalcanti Barros, atualmente presidente do Centro de Estudos e Debates do Gurgueia (CEDEG), escreveu o seguinte:
Imagem: ReproduçãoGURGUEIA:
Resultaria na duplicação dos recursos e na divisão das despesas, tornando-o viável economicamenteO Pará, se tiver juízo, certamente está em festa. Pois a Câmara dos Deputados aprovou, quinta-feira última, os projetos de decretos legislativos autorizando a realização de plebiscitos com vistas ao desmembramento do território paraense em três unidades federativas. Continuaria o Pará, porém bem menor, e seriam criados os Estados de Carajás e de Tapajós.
Já aprovados pelo Senado numa articulação competente da bancada paraense, a ele retornará o projeto do Tapajós para apreciação das modificações que a Câmara fez no texto. O de Carajás, por sua vez, será promulgado pelo Congresso nos próximos dias. Na consulta popular a ter lugar dentro de seis meses, serão ouvidas as populações diretamente interessadas, isto é, tanto a residente na área remanescente do Pará que continuará Estado, quanto as residentes nos territórios a serem desmembrados, nos termos da Lei nº 9.709, de 1998.
Redividir territórios muito grandes ou mal configurados, tais como os do Pará e do Piauí, significa racionalizar a administração e democratizar o poder. Isto é, buscar a eficácia ao colocar as ações do governo o mais próximo possível das populações. No Piauí temos um precedente bastante elucidativo. Com efeito, foi a emancipação de 106 comunidades municipais na década de 1990, processo que tive a honra de deslanchar quando exercia a presidência da Assembleia Legislativa, que praticamente acabou com o coronelismo no Piauí. Se essas comunidades tivessem continuado isoladas em seus povoados, recebendo migalhas dos prefeitos e sob o domínio de cabos eleitorais a serviço de velhos coronéis, jamais se teriam transformado nas florescentes cidades que hoje conhecemos. Não há negar: apesar dos desperdícios e da corrupção, infelizmente alimentados pelo cancro da reeleição, ganharam melhor qualidade de vida, exibindo saudável aspecto urbano e razoável atendimento em saúde, educação, estradas, eletrificação etc. O que resulta em incorporar áreas e populações marginalizadas em nosso processo de desenvolvimento.
O Piauí, que vem empalmando a luta pela redivisão territorial do Brasil desde 1990, quando lancei, na qualidade de seu representante na Câmara dos Deputados, a ideia de criação do Estado do Gurgueia, corre o risco de ficar para trás. De perder mais uma vez o bonde da história. De fato, se as suas lideranças não se derem conta, poderá ocorrer aquilo que eu sempre temi: a criação de outros Estados que não o do Gurgueia, e assim passaríamos a pagar a conta sem compensação alguma. Daí a pergunta que não pode calar: o que estão fazendo os dez deputados federais e os três senadores do Piauí para apressar a aprovação de nosso plebiscito? Sobretudo os deputados Paes Landim e Júlio César, autores, respectivamente, do projeto e do substitutivo em tramitação na Câmara, já aprovados por três comissões técnicas? E o senador João Vicente Claudino, que em boa hora apresentou idêntico projeto no Senado, já analisado e aprovado por dois relatores, mas cujos pareceres sequer foram submetidos ao plenário da Comissão de Constituição e Justiça? E o irrequieto governador Wilson Martins, que por várias vezes se manifestou favorável ao projeto, pelo menos durante a última campanha eleitoral?
Que se movimentem, então! Afinal, o problema nº 1 do Piauí, historicamente, continua sendo essa irritante falta de recursos, que paralisa, imobiliza, retarda ou destrói qualquer iniciativa transformadora. Eis a verdade por todos reconhecida: o Piauí carece de recursos para investir, de modo a aproveitar adequadamente as suas imensas potencialidades em termos de solo, sol e água. Dessa penúria humilhante decorrem os demais problemas. Envolto no círculo vicioso da pobreza, o Estado não investe porque não tem e não tem porque não investe. Quando arranja o dinheiro para executar a obra, de outro não dispõe para fazê-la funcionar, mantê-la ou conservá-la. Daí o monturo de obras inacabadas e, se concluídas, quase sempre imprestáveis. É o eterno rem-rem, a cantilena de sempre.
A emancipação do Gurgueia, envolvendo 87 municípios e pouco mais de 20% da população, livraria o Piauí desse pesado fardo. Resultaria, de um lado, na duplicação dos recursos e, de outro, na divisão das despesas, tornando-o um Estado economicamente viável e geograficamente integrado. Os exemplos de Goiás e Mato Grosso são emblemáticos. Em 1927, segundo dados estatísticos publicados pelo governo federal, Piauí, Goiás e Mato Grosso arrecadavam as menores receitas entre os 20 Estados brasileiros existentes. Ocupavam, pois, a 20ª, 19ª e 18ª posições. Passados cerca de oitenta anos, o Piauí continuou a exibir a menor arrecadação entre eles, enquanto que os Estados que se dividiram, ou seja, Goiás/Tocantins e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, somados, saltaram para a 7ª e 9ª posições. Isto é, invertendo aquele diabólico círculo, colocaram-se entre os mais ricos, na boa companhia de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná e Pernambuco.
Há quem pense que, uma vez emancipado o Gurgueia, os recursos atualmente atribuídos ao Piauí seriam repartidos entre os dois. Se assim fosse, eu seria o primeiro a combater a ideia, embora gurgueiano, pois dividir a pobreza não nos levaria a lugar nenhum. Tal não ocorre, contudo. Neste caso, dividir é somar, eis que os Estados participam das receitas arrecadadas pela União segundo determinados critérios, dentre os quais o de receber mais quem apresentar os piores indicadores sociais e econômicos de pobreza. O total arrecadado é dividido pelo número de unidades existentes, ou seja, pelas atuais 27 (26 Estados e o Distrito Federal). Criado mais um, a divisão será feita entre 28 e assim por diante. Fica claro, portanto, que a cada criação de novo Estado corresponderá nova repartição. Dessa forma, o quinhão que caberá ao novo Estado resultará de uma pequena redução dos recursos de todos os demais.
Se criado o Gurgueia, como esperamos ardentemente, o quinhão que vier a receber passará a responder pelos encargos hoje suportados exclusivamente pelo Piauí quanto àquela distante e difícil região. Para começo de conversa, cerca de 20 mil servidores públicos deixariam a folha de pagamento do Piauí e ingressariam na do Gurgueia. Por outro lado, o novo Estado, durante os primeiros dez anos, a despesa com pessoal não poderá ultrapassar 50% de suas receitas. Para tanto, a própria Constituição federal (art. 235) impôs rígidos limites: máximo de dez secretarias, sete desembargadores do Tribunal de Justiça, três conselheiros do Tribunal de Contas e 17 ou 24 deputados estaduais, conforme a população. Com isso desviará das garras da burocracia para investimentos produtivos mais de 10 bilhões de reais. Dinheiro suficiente para recuperar e ampliar a sua infraestrutura e realizar sua política de desenvolvimento, ditada pelas prioridades que escolher. Como ocorreu no Tocantins, hoje um Estado salpicado de obras estruturantes e tocado por um dinamismo econômico sem igual. Um exemplo: enquanto o Piauí discute a construção de hidrelétricas no rio Parnaíba, lá já foram inauguradas três. E outras estão em construção.
Para quem ache que o Piauí perderá considerável receita com o desmembramento dos Cerrados, diria que o governo gasta no Gurgueia muito mais do que arrecada. O ICMS lá gerado representa menos de 5% do total arrecadado no Estado, para uma despesa em torno de 20% do orçamento estadual. E, a despeito de esforços consideráveis de governos e de particulares, muita coisa está por fazer, à espera de recursos que não existem nem chegam. Daí a conclusão inescapável: só a emancipação do Gurgueia salvará o Piauí.
O professor Pádua Ramos, homem de muita sabedoria, embora sua reconhecida timidez não lhe permita enxergar saídas mais audaciosas para o Piauí, queixava-se há pouco de que o Estado sofre os efeitos do fenômeno da satelitização. Não dispondo de projeto próprio de desenvolvimento, concebido a partir de suas necessidades e interesses, os investimentos federais aqui são feitos para atender conveniências de outros, regionais ou nacionais. Pois bem, depois de tantas utopias e frustrações, a emancipação do Gurgueia emerge como o mais consistente projeto de desenvolvimento sustentável do Piauí para o Piauí, pois concebido em consonância com os reais interesses do Estado e por piauienses que, indignados, não se conformam com o império da pobreza na terra de Canaã.
Repito aqui o que tenho dito nos últimos 21 anos de luta pela criação do Estado do Gurgueia: “Sei que o assunto é explosivo, que causa toda sorte de reações, inclusive indignação. Isso é bom, pois só acredito que uma sociedade seja capaz de encontrar saída para os seus problemas quando ela ainda é capaz de indignar-se.”
Imagem: ReproduçãoGURGUEIA:
Resultaria na duplicação dos recursos e na divisão das despesas, tornando-o viável economicamente
Já aprovados pelo Senado numa articulação competente da bancada paraense, a ele retornará o projeto do Tapajós para apreciação das modificações que a Câmara fez no texto. O de Carajás, por sua vez, será promulgado pelo Congresso nos próximos dias. Na consulta popular a ter lugar dentro de seis meses, serão ouvidas as populações diretamente interessadas, isto é, tanto a residente na área remanescente do Pará que continuará Estado, quanto as residentes nos territórios a serem desmembrados, nos termos da Lei nº 9.709, de 1998.
Redividir territórios muito grandes ou mal configurados, tais como os do Pará e do Piauí, significa racionalizar a administração e democratizar o poder. Isto é, buscar a eficácia ao colocar as ações do governo o mais próximo possível das populações. No Piauí temos um precedente bastante elucidativo. Com efeito, foi a emancipação de 106 comunidades municipais na década de 1990, processo que tive a honra de deslanchar quando exercia a presidência da Assembleia Legislativa, que praticamente acabou com o coronelismo no Piauí. Se essas comunidades tivessem continuado isoladas em seus povoados, recebendo migalhas dos prefeitos e sob o domínio de cabos eleitorais a serviço de velhos coronéis, jamais se teriam transformado nas florescentes cidades que hoje conhecemos. Não há negar: apesar dos desperdícios e da corrupção, infelizmente alimentados pelo cancro da reeleição, ganharam melhor qualidade de vida, exibindo saudável aspecto urbano e razoável atendimento em saúde, educação, estradas, eletrificação etc. O que resulta em incorporar áreas e populações marginalizadas em nosso processo de desenvolvimento.
O Piauí, que vem empalmando a luta pela redivisão territorial do Brasil desde 1990, quando lancei, na qualidade de seu representante na Câmara dos Deputados, a ideia de criação do Estado do Gurgueia, corre o risco de ficar para trás. De perder mais uma vez o bonde da história. De fato, se as suas lideranças não se derem conta, poderá ocorrer aquilo que eu sempre temi: a criação de outros Estados que não o do Gurgueia, e assim passaríamos a pagar a conta sem compensação alguma. Daí a pergunta que não pode calar: o que estão fazendo os dez deputados federais e os três senadores do Piauí para apressar a aprovação de nosso plebiscito? Sobretudo os deputados Paes Landim e Júlio César, autores, respectivamente, do projeto e do substitutivo em tramitação na Câmara, já aprovados por três comissões técnicas? E o senador João Vicente Claudino, que em boa hora apresentou idêntico projeto no Senado, já analisado e aprovado por dois relatores, mas cujos pareceres sequer foram submetidos ao plenário da Comissão de Constituição e Justiça? E o irrequieto governador Wilson Martins, que por várias vezes se manifestou favorável ao projeto, pelo menos durante a última campanha eleitoral?
Que se movimentem, então! Afinal, o problema nº 1 do Piauí, historicamente, continua sendo essa irritante falta de recursos, que paralisa, imobiliza, retarda ou destrói qualquer iniciativa transformadora. Eis a verdade por todos reconhecida: o Piauí carece de recursos para investir, de modo a aproveitar adequadamente as suas imensas potencialidades em termos de solo, sol e água. Dessa penúria humilhante decorrem os demais problemas. Envolto no círculo vicioso da pobreza, o Estado não investe porque não tem e não tem porque não investe. Quando arranja o dinheiro para executar a obra, de outro não dispõe para fazê-la funcionar, mantê-la ou conservá-la. Daí o monturo de obras inacabadas e, se concluídas, quase sempre imprestáveis. É o eterno rem-rem, a cantilena de sempre.
A emancipação do Gurgueia, envolvendo 87 municípios e pouco mais de 20% da população, livraria o Piauí desse pesado fardo. Resultaria, de um lado, na duplicação dos recursos e, de outro, na divisão das despesas, tornando-o um Estado economicamente viável e geograficamente integrado. Os exemplos de Goiás e Mato Grosso são emblemáticos. Em 1927, segundo dados estatísticos publicados pelo governo federal, Piauí, Goiás e Mato Grosso arrecadavam as menores receitas entre os 20 Estados brasileiros existentes. Ocupavam, pois, a 20ª, 19ª e 18ª posições. Passados cerca de oitenta anos, o Piauí continuou a exibir a menor arrecadação entre eles, enquanto que os Estados que se dividiram, ou seja, Goiás/Tocantins e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, somados, saltaram para a 7ª e 9ª posições. Isto é, invertendo aquele diabólico círculo, colocaram-se entre os mais ricos, na boa companhia de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná e Pernambuco.
Há quem pense que, uma vez emancipado o Gurgueia, os recursos atualmente atribuídos ao Piauí seriam repartidos entre os dois. Se assim fosse, eu seria o primeiro a combater a ideia, embora gurgueiano, pois dividir a pobreza não nos levaria a lugar nenhum. Tal não ocorre, contudo. Neste caso, dividir é somar, eis que os Estados participam das receitas arrecadadas pela União segundo determinados critérios, dentre os quais o de receber mais quem apresentar os piores indicadores sociais e econômicos de pobreza. O total arrecadado é dividido pelo número de unidades existentes, ou seja, pelas atuais 27 (26 Estados e o Distrito Federal). Criado mais um, a divisão será feita entre 28 e assim por diante. Fica claro, portanto, que a cada criação de novo Estado corresponderá nova repartição. Dessa forma, o quinhão que caberá ao novo Estado resultará de uma pequena redução dos recursos de todos os demais.
Se criado o Gurgueia, como esperamos ardentemente, o quinhão que vier a receber passará a responder pelos encargos hoje suportados exclusivamente pelo Piauí quanto àquela distante e difícil região. Para começo de conversa, cerca de 20 mil servidores públicos deixariam a folha de pagamento do Piauí e ingressariam na do Gurgueia. Por outro lado, o novo Estado, durante os primeiros dez anos, a despesa com pessoal não poderá ultrapassar 50% de suas receitas. Para tanto, a própria Constituição federal (art. 235) impôs rígidos limites: máximo de dez secretarias, sete desembargadores do Tribunal de Justiça, três conselheiros do Tribunal de Contas e 17 ou 24 deputados estaduais, conforme a população. Com isso desviará das garras da burocracia para investimentos produtivos mais de 10 bilhões de reais. Dinheiro suficiente para recuperar e ampliar a sua infraestrutura e realizar sua política de desenvolvimento, ditada pelas prioridades que escolher. Como ocorreu no Tocantins, hoje um Estado salpicado de obras estruturantes e tocado por um dinamismo econômico sem igual. Um exemplo: enquanto o Piauí discute a construção de hidrelétricas no rio Parnaíba, lá já foram inauguradas três. E outras estão em construção.
Para quem ache que o Piauí perderá considerável receita com o desmembramento dos Cerrados, diria que o governo gasta no Gurgueia muito mais do que arrecada. O ICMS lá gerado representa menos de 5% do total arrecadado no Estado, para uma despesa em torno de 20% do orçamento estadual. E, a despeito de esforços consideráveis de governos e de particulares, muita coisa está por fazer, à espera de recursos que não existem nem chegam. Daí a conclusão inescapável: só a emancipação do Gurgueia salvará o Piauí.
O professor Pádua Ramos, homem de muita sabedoria, embora sua reconhecida timidez não lhe permita enxergar saídas mais audaciosas para o Piauí, queixava-se há pouco de que o Estado sofre os efeitos do fenômeno da satelitização. Não dispondo de projeto próprio de desenvolvimento, concebido a partir de suas necessidades e interesses, os investimentos federais aqui são feitos para atender conveniências de outros, regionais ou nacionais. Pois bem, depois de tantas utopias e frustrações, a emancipação do Gurgueia emerge como o mais consistente projeto de desenvolvimento sustentável do Piauí para o Piauí, pois concebido em consonância com os reais interesses do Estado e por piauienses que, indignados, não se conformam com o império da pobreza na terra de Canaã.
Repito aqui o que tenho dito nos últimos 21 anos de luta pela criação do Estado do Gurgueia: “Sei que o assunto é explosivo, que causa toda sorte de reações, inclusive indignação. Isso é bom, pois só acredito que uma sociedade seja capaz de encontrar saída para os seus problemas quando ela ainda é capaz de indignar-se.”
Fonte: http://www.gurgueia.org.br
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